Uma semana depois da prova, foi tempo de começar a escrever e partilhar esta extraordinária experiência de dever cumprido e muito orgulho pelo feito conseguido.
Durante quase cerca de 6 meses que decorreu todo este “processo” foram muitos e diversos os sentimentos. Houve momentos de muita, muita alegria, houve momentos de apreensão, dor, cansaço, mas no final, e o que guardarei para sempre, é que valeu, vale e valerá a pena!
Durante quase cerca de 6 meses que decorreu todo este “processo” foram muitos e diversos os sentimentos. Houve momentos de muita, muita alegria, houve momentos de apreensão, dor, cansaço, mas no final, e o que guardarei para sempre, é que valeu, vale e valerá a pena!
O desafio
Quando o Jorge Esteves e o Teodoro Trindade (ambos RUN 4 FUN) me apresentaram e desafiaram para a participação na corrida dos 101 Peregrinos (101 km em 24 horas), soube desde logo que seria a oportunidade de eu próprio finalmente tomar a iniciativa de ser bastante mais ambicioso do que uma “mera” participação numa outra corrida de 101 km. Eu já tinha feito em Maio de 2014 a prova que já há vários anos “sonhara”, os 101 km de Ronda (Espanha). Tinha sido uma experiência pessoal muito forte com um grande foco numa abordagem de: quando queremos conseguimos! A incerteza do que me esperava pelo facto de ter até essa data feito o maior percurso na prova Melides-Tróia (43 km pela areia da praia em 5h19m), a lesão durante a prova em Ronda e todas as horas que me “arrastei” até concluir (em 16h48m os 101 km) já não seriam novidade e por isso o foco e motivo teriam de ser bastante diferentes.
A abordagem psicológica de conseguirmos atingir o que queremos manteve-se mas o objectivo era que tal fosse conseguido não para mim mas para “alguém”.O exemplo do Manuel Correia e do seu projecto em parceria com a Terra dos Sonhos quando associou a sua participou no Tor des Geants (330 km) à concretização do sonho de 3 crianças, foi também decisivo.
Sendo parte do percurso da prova 101 Peregrinos feito pelos Caminhos (de Inverno) de Santiago pensei desde logo apresentar um projecto de uma corrida solidária na escola onde estudam os meus filhos (Externato Marista de Lisboa). Eu estaria disposto a percorrer os 101 km da prova e contaria com a ajuda da escola na divulgação entre a comunidade educativa.
No final de Outubro, depois de uma reunião com o Director do Externato (Professor Luís Virtuoso), apresentei por escrito uma ideia do que seria o projecto mas faltando o mais importante de tudo - quem ajudar.
Por diversas circunstâncias a maioria de nós não tem contacto directo com algumas vidas bem diferentes das nossas. Assim, não foi fácil identificar uma instituição ou “alguém” para ajudar. Desde sempre havia decidido que o apoio seria feito com um bem necessário mas nunca directamente em dinheiro. Existem certamente muitas instituições que fazem excelentes trabalhos no apoio a quem precisa mas também sabemos que em alguns casos existe algum aproveitamento dessas situações e por isso eu tentava identificar alguma situação que fosse conhecida de algum amigo e que fosse efectivamente “de confiança”.
Quem ajudar
Entretanto, em meados de Novembro, a escola aceitou apoiar o projecto e esperava de mim mais informações para preparar a respectiva divulgação.
Fiz alguns contactos com alguns amigos, procurei na internet mas continuava sem encontrar nenhuma situação que eu considerava poder associar ao meu projecto. Por indicação de um amigo, em Dezembro tive oportunidade de visitar uma residência temporária que acolhe mães adolescentes e esta esteve quase para ser a instituição a apoiar neste projecto. Não foi neste mas não ficou esquecida e oportunamente o será !
Numa última tentativa de tentar identificar alguma outra instituição, pensei em contactar a Junta de Freguesia de Odivelas (onde nasci). Lembrei-me então que até conhecia uma amiga, a Paula Silva, que lá trabalha e poderia tentar obter alguma informação. O contacto inicial foi no dia 10 de Janeiro.
A abordagem era semelhante à feita junto da escola – vou correr 101 km e quero associar essa corrida a um projecto solidário. A Paula conseguiu de imediato uma reunião com a Dra. Vanessa Porto (vogal da Acção Social) e no dia 13 de Janeiro lá fui eu tentar explicar o que pretendia. A Paula já tinha feito algum trabalho de casa e foram identificadas duas situações de possível apoio. Uma instituição que acolhe crianças e jovens em risco e uma outra situação de pedido de ajuda na recolha de tampas. Em relação à instituição, falei posteriormente com a responsável mas ainda não fui conhecer o local. Também não está esquecida e também mantenho o meu compromisso de futuro apoio.
Em relação ao pedido de ajuda na recolha de tampas era, como habitualmente, feito para a aquisição de uma cadeira de rodas mas tinha a particularidade de ser para uma família com trigémeos e todos portadores de deficiência! Ser pai/mãe nos nossos dias é um desafio constante mas ter 3 filhos e todos serem portadores de deficiência foi algo que não conseguia imaginar como seria e nesse momento ficou logo decidido que eu queria ajudar a família Nobre. Assim que saí da Junta de Freguesia telefonei para a mãe Sandra Cordeiro e expliquei o objectivo do meu projecto de corrida solidária e que pretendia ajudar no que me fosse possível. Tendo em conta o projecto pedi que me indicasse o que poderia ser considerado para o apoio e inicialmente foi considerada a aquisição de uma tala tipo Dafo para a Francisca, ou a aquisição de um chassi individual a ser utilizado pelo Guilherme ou Rafael. Os valores em causa para a tala ou para o chassi eram consideravelmente diferentes e inicialmente pensei que teríamos que considerar a aquisição da tala já que se enquadrava no valor que pensava conseguir angariar.
Também nesse mesmo dia informei a escola de qual seria a família a apoiar e foi logo agendada reunião (para dia 19 de Janeiro) para começar a preparar mais detalhes sobre o projecto, o apoio e a divulgação. A Professora Marisa Temporão (Delegada Pastoral) concordou de imediato com o apoio à família Nobre mas, bastante mais “ambiciosa” que eu, disse-me que deveríamos tentar a aquisição do chassi. Com muitas dúvidas, mas com muita vontade, concordei e ficou combinado que prepararia uma apresentação e um vídeo que seriam divulgados pela escola e também que seria feito um treino solidário (no dia 12 de Março) para divulgação do projecto. A Associação de Pais Maristas de Lisboa e o facebook seriam também utilizados para divulgação do projecto.
A divulgação
O grupo RUN 4 FUN, ao qual muito orgulhosamente pertenço desde Maio de 2011, desde logo manifestou todo o apoio a este projecto e se disponibilizou a ajudar com tudo o que estivesse ao seu alcance mas nesta fase inicial teria que ser eu a preparar a informação.
Fazer uma apresentação e um vídeo! Eu?!?!
Nos dias seguintes, procurar outras formas de divulgação e apoios a projectos solidários foram outra forma de ocupar umas horas ainda consideráveis. Apoio a crowdfunding existe mas tem custos e tendo em conta o valor necessário angariar (2.000€), qualquer custo adicional não seria desejável. Vi várias apresentações e vídeos de outros projectos e fiz o melhor que consegui no muito curto período de tempo que tinha.
Também habitualmente em crowdfunding são apresentadas contrapartidas para quem mais apoia os projectos solidários e neste caso nada estava previsto, o retorno seria apenas a própria “sensação de dever cumprido”.
A criação do blogue (apenas para quem não tivesse facebook) e a página do facebook, onde era esperada muita actividade, também não foi tarefa fácil. Fez-se o melhor que se conseguiu e a minha expectativa era de que o facebook seria a grande ferramenta de divulgação através de amigos e amigos dos amigos.
Para fazer a apresentação tinha pedido à Sandra Cordeiro que me enviasse algumas fotografias e também tinha pedido algo que pudesse ser utilizado como “símbolo” do projecto. A fotografia (possível) em trevo dos três irmãos ficará para sempre associada ao projecto e podem ter a certeza que a tenho guardada na memória e a tenho revisto em vários momentos recentes da minha vida e espero continuar a rever.
No dia 7 de Fevereiro conheci pessoalmente a Sandra Cordeiro; falámos cerca de 1h e fiquei a saber um pouco mais da situação da família Nobre e dos seus trigémeos.
Em meados do mês de Fevereiro decorreram na escola reuniões de pais tendo o projecto sido divulgado em todas as salas e tendo de imediato recebido o apoio de vários pais. No dia 21 de Fevereiro a página do projecto 101 Nobres km (https://www.facebook.com/101nobreskms/) ficou disponível e eu partilhei com os meus amigos o projecto solidário associado à minha participação na corrida dos 101 Peregrinos.
Além das recolhas que seriam feitas na papelaria da escola, no dia seguinte abri conta bancária na CGD para que os apoios monetários fossem feitos e de imediato se verificou a adesão de algumas pessoas.
Entretanto a Rehapoint (que forneceu o chassi), a Junta de Freguesia de Odivelas, o Externato Marista de Lisboa e a Associação de Pais Maristas de Lisboa também divulgaram a página, dando ”credibilidade” ao projecto, e os acessos e mensagens começaram a chegar em maior número, assim como o apoio monetário.
O que constatei logo no início foi que os depósitos não eram no valor simbólico de 1 cêntimo por quilómetro da prova (1,01€) mas sim de quantias maiores, embora realizadas por menos pessoas.
O treino agendado para dia 12 de Março decorreu com a presença de aproximadamente 40 pessoas; umas para correr outras para caminhar. O objectivo de divulgação/apoio foi conseguido mas também é certo que existiu alguma dispersão entre quem participou na corrida e que terá sido ainda maior na caminhada. Nem sempre tudo corre bem como esperamos.
Os treinos
Em simultâneo com todas estas actividades, era necessário não esquecer que me tinha proposto fazer uma corrida de 101 km e também seguir (dentro do possível) um plano de treinos muito ambicioso e exigente. Fizesse chuva ou não, tivesse dormido muito ou pouco, o compromisso era enorme e os treinos tinham que ser feitos. Devido à muita carga de quilómetros começaram a surgir dores e consequentemente o receio de lesões que limitassem ou mesmo impedisse a participação na prova.
O plano de treinos consistia em 16 semanas e cerca de 1600 km que eu sabia não iria cumprir integralmente mas que serviria de guia para o tipo de treino a realizar. Ao contrário de outras pessoas, eu prefiro fazer vários treinos de aproximadamente 30 km, mesmo com pouco intervalo de descanso entre eles, do que fazer treinos de distâncias superiores porque demoro bastante mais tempo a recuperar.
Mesmo com as dores que entretanto surgiram, continuei a treinar mas nas semanas 10 e 11, além de ter estado doente e quase não ter sido possível treinar, as dores aumentaram e tomei a decisão de voltar ao fisioterapeuta que já me havia tratado em 2013. Decisão acertadadíssima! Em duas sessões as dores desapareceram e consegui realizar nessas mesmas duas semanas seguidas, treinos bastante intensos (93 e 101 km no total).
E o treino “estava feito”; era preciso era descansar nas duas últimas semanas fazer bastante menos quilómetros sempre a pensar em não me aleijar. Um amigo dos RUN 4 FUN (Manuel Romano) tinha acabado de se lesionar numa prova e não poderia participar na corrida dos 101 Peregrinos... somente a 15 dias da prova! Depois de tanto esforço e empenho!
Considerando as 16 semanas, foram mais de 60 treinos, 1000 km e cerca de 96 horas.
A recordação
A ideia da bandeira foi algo que tive em mente desde o início do projecto e que considerei ser importante; a família Nobre poderia ficar com uma recordação com os nome dos que se associaram ao projecto.
Na penúltima semana antes da prova o valor dos 2.000€ foi atingido; eu já tinha feito anteriormente um contacto com a Poster Digital (Ana Silveira) para que fosse feita uma bandeira com a fotografia dos 3 irmãos e com a identificação das entidades que tinham apoiado na divulgação e de quem tinha contribuído monetariamente para o projecto.
Depois de explicar melhor qual o objectivo da bandeira, foi decidido qual o tecido, qual o tamanho da fonte a utilizar para os nomes e o tamanho da bandeira. Num último gesto de apoio a este projecto, a bandeira acabou por ser oferecida.
Para a prova ainda cheguei a “prender” a bandeira à camisola mas devido às suas dimensões verifiquei que não seria viável tal solução. No entanto, não estando visível, a bandeira, com todo o seu simbolismo, também percorreu os (quase) 105 km do percurso (inicialmente na bolsa e depois no camelback). No final, juntamente com a bandeira de Portugal, esteve nos meus ombros e foi bem alta que cruzou a meta.
A viagem e convívio
Com algumas decisões apenas nos últimos dias, a viagem foi feita juntamente com o José Carlos Melo, o Gonçalo Melo e o Nuno Dias de Almeida. A restante comitiva RUN 4 FUN iria juntar-se já em Ponferrada onde certamente teríamos a oportunidade de confraternizar anda na 6ª feira e antes da partida.
De Lisboa a Ponferrada são cerca de 600 km e portanto algumas horas ainda consideráveis de viagem. A saída foi combinada para as 08h30m e cumpriu-se com o horário que todos estávamos ansiosos por lá chegar.
Apesar de termos demorado cerca de 5h30m a chegar a Ponferrada, a viagem pareceu bastante mais curta. Além do tema corrida e da partilha de experiências, falámos de muitos outros temas o que tornou a viagem extraordinariamente agradável. Ao chegarmos a Ponferrada perguntámos onde ficava o pavilhão onde deveriam ser levantados os dorsais e, não tendo almoçado pelo caminho, perguntámos também onde se comia bem e barato. O Sr. que nos deu as indicações, muito simpaticamente, para nos indicar o caminho colocava a cabeça bem dentro do carro, o que valeu umas valentes gargalhadas quando nos afastámos. Também o nome do restaurante (B&P) foi motivo de risota porque o nome que tínhamos percebido seria algo semelhante a BIP.
De barriga mais aconchegada lá seguimos para o pavilhão onde era feita a entrega dos dorsais que ficava no complexo desportivo onde no dia seguinte seria dada a partida... e onde algumas horas depois todos esperávamos chegar à meta.
A organização da prova também associou o evento a uma causa solidária e cada participante teria que entregar um quilo de um alimento para efectuar o levantamento do dorsal, ou em alternativa, fazer a entrega de 1€. Foram recolhidas cerca de 8 toneladas de comida!
Depois de levantados os dorsais tirámos a foto da praxe e fomos para o hotel preparar a logística do dia seguinte.
No final da tarde toda a armada lusitana estava reunida e não conseguimos ir jantar sem que os nervosos adeptos futebolísticos terminassem de ver o jogo do seu clube.
Havia pasta party mas tentando evitar a confusão, optámos por ir jantar a um restaurante italiano. Por causa da diferença horária (mais uma hora), já saímos tarde do hotel e para ajudar “à festa” o restaurante indicado no hotel estava fechado. Tentámos uma segunda indicação mas estava cheio até à porta. Nova tentativa de outro restaurante e desta vez com maior sucesso; teríamos mesa dentro de 10 minutos. Fomos logo escolhendo os pratos enquanto esperávamos uma vez que já passava das 22h. Foi uma odisseia, vieram aos poucos as pizzas, algumas massas mas quem, como eu, escolhera carbonara só começou a comer já perto da meia noite.
Toca de regressar ao hotel para rever o que tinha preparado e tentar não adormecer logo de barriga cheia. Deitei-me eram 1h30m da madrugada e tinham combinado com o Nuno levantar-nos às 6h45m. Eram 6h20m e já eu estava bem desperto e a preparar-me para o pequeno almoço reforçado. A prova começaria às 8h30m para os participantes de bicicleta e a nossa partida seria dada de seguida.
A abordagem da prova
Na abordagem que fiz ao percurso e à distância desta prova, dividi-a em 4 etapas. A 1ª etapa até ao km 43 que seria mais rápida e deveria demorar aproximadamente 6 horas a concluir; a 2ª etapa até ao km 74 que coincidia com o ponto mais alto (1470 m); a 3ª etapa até aos 83 km e onde “tudo” poderia acontecer devido ao desnível acentuado da descida; e por fim, a 4ª etapa que seria de gestão física e psicológica mas que dependeria muito das etapas anteriores.
No caso desta prova, era permitido deixar na partida 1 saco que seria transportado para o km 43.
Ponderadas várias situações, optei por levar apenas uma bolsa de cintura até ao km 43 e depois disso levaria o camelback até ao final. Na bolsa de cintura estavam as 2 bandeiras, documentos e dinheiro, o telemóvel, 1 par de meias finas e 2 sandes (pequenas) de presunto. No bolso dos calções levava uma pequena garrafa (140 ml) para água. A ideia era ir comendo e bebendo nos vários abastecimentos até chegar aos km 43.
Depois de muita indecisão acabei por levar para esta 1ª etapa os ténis ASICS cumulus 17 com que havia feito vários treinos e que depois de alargar mais os atacadores e passar a utilizar umas meias mais finas me pareciam os mais adequados. Sabia que provavelmente iria ter problemas com a planta dos pés e por isso resolvi colocar umas tiras de adesivo largo tentando evitar a fricção e a formação de bolhas. Erro!
A prova
Quando chegámos ao complexo desportivo a animação já era bastante grande com os cerca de 3 mil ciclistas.
Mais umas fotografias para a posteridade com todos os RUN 4 FUN e pouco depois seria a nossa vez de começarmos.
A partida foi dada às 8h45m (locais). Depois dos habituais votos de boa prova para todos, lá começou a aventura com algumas dezenas de pessoas (familiares dos atletas) a assistir ao início da prova. No percurso inicial em Ponferrada deu para confirmar o que já tinha lido, estranhamente a adesão da população é pouca, para não dizer nenhuma. O ritmo era confortável e o objectivo da 1ª etapa era ir descontraído, sem grandes esforços, caminhando nas subidas e “rolando” no restante.
Saí mais rápido que os restantes laranjas mas na subida aproximadamente ao km 20 o Nuno apanhou-me. Fizemos uns minutos juntos mas depois o Nuno seguiu sozinho uma vez que eu pretendia continuar a caminhar nas percursos inclinados.
Passados alguns quilómetros comecei a sentir desconforto no pé direito e acabei por parar para ver o que se passava. O adesivo estava enrolado e portanto foi retirado; aproveitei e mudei essa meia tendo continuado até ao km 43 sempre com a sensação de desconforto já que adiei a paragem e o adesivo enrolado já tinha causado alguma “mossa” na planta do pé.
O piso era bom mas em alguns locais tinha alguma lama (ou chocolate como diziam os espanhóis). Num desses locais, e tendo escolhido mal o sitio onde colocar o pé direito, eis que o ténis direito ficou preso no chão... bem enlameado. Por sorte, e equilíbrio, conseguir voltar a calçar-me sem ter colocado o pé na lama, não teria sido nada agradável.
Quando cheguei ao km 43 o Nuno já lá estava quase pronto para sair. Fui buscar o meu saco onde tinha o camelback e onde estava outra roupa caso fosse necessário. Troquei os ténis (por uns ASICS pulse 7) e meias e fui buscar um prato de massa para estar preparado para os muitos km a subir que se seguiriam em breve. Despejei cerca de 0,5l de água no camelback e juntei uma pastilha de electrólitos e magnésio (nunca tinha experimentado antes).
O Nuno que entretanto se apercebeu que o tubo do camelback estava solto e lhe tinha despejado grande parte do liquido, também estava pronto e saímos juntos; rapidamente nos afastámos já que logo na íngreme subida ele ia a correr e eu ia a caminhar, fazendo a digestão da massa.
Os 10 km seguintes seriam também relativamente rolantes com algumas subidas e descidas mas o importante era manter a calma porque o pior estaria para chegar com quase 20 km a subir, entre os 54 e os 74 km.
Para distrair e ir passando o tempo, fui tirando fotografias e em ritmo bastante calmo lá se foram fazendo os muitos quilómetros da subida. Havia também um outro abastecimento ao km 71 onde voltei a comer mais outro prato de massa.
A diferença entre os quilómetros nos locais de abastecimento e aqueles que o GPS marcava já era alguma e por isso estava na dúvida onde seria o ponto mais alto da prova com cerca de 1470m de altura e cerca de 74 km percorridos.
Sem nenhuma marca visível a assinalar esse ponto, após uma curva surgem duas placas: bajada normal e bajada vruta! Como eu gosto mais das subidas que das descidas e tenho pouco espírito aventureiro, claro que optei pela descida normal. Tudo parecia indicar que estava a começar a 3ª etapa da prova, ou seja, os cerca de 10 km a descer e que tinha receio de me lesionar. Seria um “travar” constante e um pé mal colocado poderia deitar tudo a perder. Confirmando as suspeitas em relação à distância dos abastecimentos e do GPS, pouco depois de iniciada a descida (supostamente ao km 76), havia um abastecimento. Já tinha enviado sms para a família a dizer que agora era sempre a descer mas no abastecimento apanhei um grande susto. Quando perguntei em que quilómetro estávamos a resposta que ouvi foi 71!!! Ainda iria ter que subir mais 3 km? Mas onde é que raio é o ponto mais alto da montanha?
Entretanto, como o percurso seguinte era sempre a descer fiquei com a certeza que realmente iríamos fazer mais que os 101 km previstos mas que o pior já passara. Era preciso era descer ainda de dia e em segurança para depois, se possível, fazer os cerca de 20 km finais em passo de corrida ligeira ou então caminhada.
No final da descida havia o abastecimento dos 83 km. O cansaço já se notava e era importante comer para que as forças não faltassem por isso demorei-me algum tempo. Estava previsto sopa em alguns abastecimentos finais mas para quem chegasse depois das 22h. Normalmente a sopa é óptima para aquecer e recompõe o estômago. Apesar de serem apenas 21h30m ofereceram-me sopa e mesmo sendo de feijão acabei por aceitar. Ainda comi um pouco mas não teve o efeito que esperava. Pelo contrário fiquei um pouco indisposto e os km seguintes foram praticamente sempre a andar. Começou a anoitecer e a temperatura baixou significativamente. Foi a parte mais difícil da prova. Parecia que tinha vontade de vomitar mas também não o conseguia fazer.
É nestes momentos mais difíceis que a cabeça tem que se focar no que é importante e por isso fui pensando e revendo todas as fases do projecto e o seu objectivo; nos que acreditaram e confiaram em mim mas principalmente na Francisca, no Guilherme e no Rafael.
Ao chegar ao abastecimento do km 88, e já com bastante dores nos pés, perguntaram-me se estava com dores musculares ou com bolhas ao que respondi que devia ter bolhas. Numa rápida análise verifiquei que só tinha uma pequena mas a moça disse que não tinha nada. Como eu voltei a dizer que tinha, a moça lá concordou e perguntou-me se queria uma “tira” ou outra coisa que nem percebi. Pensando que poderia ser semelhante ao que me haviam colocado em Ronda, e que muito jeito me deu, mas demorou algum tempo, e a pequena bolha não justificava optei, sem saber o que era, pela “tira”. Mas o mais interessante é que foi terem que chamar a ambulância para o fazerem. Uns minutos minutos de espera porque a ambulância estava a uns 10 metros! e lá acabaram por colocar... um penso. Mas pediram o número do dorsal para contar para as estatísticas; fui um dos 15 que precisaram de apoio médico.
De volta ao caminho lá se foram fazendo os km finais já a pensar em chegar a horas decentes em Portugal e ainda telefonar para casa.
A entrada em Ponferrada era feita junto a um jardim e onde apenas havia um ribeiro. Além da muita água que corria rio abaixo nada mais se passava, não se via ninguém, nada... deserto completo. Fui correndo um pouco e depois aproveitei para retirar as bandeiras do camelback e as colocar ao pescoço.
Depois das voltinhas no jardim, e muito mal assinalado, lá se entrava na estrada que dava acesso ao complexo desportivo. A estrada estava cortada e apenas se via um jipe com 2 guardas mais a dormir que acordados.
Já de regresso ao hotel vinha o Nuno Dias de Almeida que trazia uma perna de presunto com que tinha percorrido os últimos 20 km da prova! Era um desafio extra da organização.
Ao contrário de Ronda em que mesmo de madrugada estão pessoas à espera dos atletas, aqui eu já sabia que seria diferente e por isso não foi surpresa nenhuma quando verifiquei que estariam apenas umas 15 pessoas no local da meta.
Perto de 105 km e 15h45m depois, o cortar da meta foi um momento de “libertação”, de dever cumprido, de sentir que um objectivo tão exigente e ambicioso e com uma componente solidária que foi acompanhada por centenas de pessoas estava, na componente da corrida, também concretizado.
Telefonei de imediato para casa a dar a notícia e depois de tirada a fotografia da praxe dirigi-me para o hotel já que ali não se passava nada e não fazia ideia da hora de chegada dos restantes companheiros laranjas (RUN 4 FUN).
A caminho do hotel ainda me cruzei com o carro dos companheiros laranjas que haviam feito a prova dos 48 km e que entretanto iam para o hotel uma vez que só dentro de aproximadamente 3h deveriam chegar os outros RUN 4 FUN e a espera ao frio não era nada agradável.
Após prova
Na manhã seguinte ainda voltei com o Nuno ao pavilhão uma vez que havia um polo de finisher que nem isso me tinham dado quando terminei.
Por volta das 14h quase todos nos voltámos a reunir à entrada do hotel para mais uma troca de experiências e, claro, todos bastante satisfeitos com os resultados por todos alcançados.
Voltámos a almoçar no B&P e depois foi tempo de regressar a casa com poucas paragens pelo caminho. A vontade de chegar a casa era muita e a figura que fazíamos com o “andar novo” não era do mais agradável. O melhor foi mesmo numa estação de serviço que parámos já em Portugal e onde o WC era no 1º andar. A risota das nossas figuras ao subir e descer as escadas fui muita mas faz parte das recordações com que ficamos destas aventuras.
Conclusão
Este foi um projecto muito ambicioso em que me empenhei por completo e estou muito orgulhoso de ter terminado com sucesso ambas as componentes: solidária e desportiva.
Quantos às corridas tenho a certeza que irei continuar com este meu hobby e com o grupo RUN 4 FUN mas a grande lição que espero ter aprendido e, que os meus filhos percebam, é em relação à componente solidária. Incluindo eu, (quase) todos nós estamos sempre muito ocupados com “coisas” muito importantes quando pequenos gestos podem minimizar as dificuldades de outros. E o meu compromisso comigo é que este projecto seja um despertar e que continue a intervir, que não seja indiferente.
Duas semanas depois, uma reunião final na escola, e mais surpresa estava reservada para mim e para a família Nobre. A Fundação Champagnat decidiu que o valor inicialmente previsto ser entregue à Casa da Criança de Tires deveria ser utilizado com outros bens para a família Nobre. Assim, todo o valor angariado neste projecto foi utilizado para a aquisição de bens para a família Nobre.
A muitos devo a minha gratidão e o meu sincero obrigado mas não querendo esquecer ninguém, o meu maior agradecimento vai para a família Nobre por me ter dado a oportunidade de os ajudar. Nunca os esquecerei. Obrigado!
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